domingo, janeiro 27, 2013

O Parlapatão

Entrou no taxi e o motorista logo pediu o destino, mas ele não queria seguir certos dogmas da sociedade, tinha lido "O apanhador no campo de centeio" e resolveu testar o mundo e a forma das coisas, tinha nós na cabeça e precisava desatar. Nem mesmo o motorista tinha terminado a pergunta e ele rapidamente deu outro endereço, diferente do que queria ir, diferente também do seu local de trabalho, uma vez que tinha dado um "até logo" para a esposa falando que ia trabalhar.

Chegou naquele bar e pediu fogo para fumar um charuto, não fumava havia anos, mas queria porém chamar atenção, dos outros, de si mesmo, queria viver. Foi para um canto mais escuro e sossegado enquanto ligava seu iPod em alto volume, a música era "Thunderstruck" do AC DC. O café da manhã daquele dia era diferente .. whisky com uma porção de amendoim, o telefone tocou mas ele não quis atender , precisava avisar no trabalho da falta logo naquele dia em que ia apresentar os bons resultados frente a concorrência. Semanas de trabalho para essa apresentação e a briga com a esposa na noite anterior, quando ele se dizia "diferente dos outros homens".

Naquele momento ele mentia como se fosse uma fuga para a realidade que tanto o perturbava e oprimia, queria ficar jogado no bar, sentindo cheiro de café e bebendo mais whisky do que devia, resolveu andar, saiu pelas ruas pensou em ir ao bosque da cidade, seguiu andando ao léu, respirava um ar forte e carregado de boas doses de enxofre, os prédios formavam um mosaico de estilos e os vidros desenhavam seus reflexos por toda a parte, apesar disso a cidade ainda tinha um estilo de pequena. Todos andavam apressados para trabalhar, ele seguia sozinho apreciando a calma que havia de surgir na fronte dos passantes. Enquanto o vento uivava trazendo a manhã ligeira, ele seguia calmo transformando aquele momento eterno. A fumaça negra dos carros se juntava ao pó branco da fábrica, o céu ficava cinza como a sua vida.

Andou sem querer andar, viu sem querer ver, sentiu sem querer fez do dia uma mentira, mentiu para si mesmo e de nada mudou a vida que levava no cotidiano, uma vida falsificada, vida parlapatona de seus sentimentos mais verdadeiros, uma vida imposta e irracional. Hoje ele se tapeou mas sentiu prazer em fazê-lo, muitos não tinham mais a noção da realidade. Entrou em prédios que não conhecia, sentiu sabores que não esperava. Falou quando queria e quando não queria, falou com gente que não conhecia, e sobre assuntos que ignorava, ao mesmo tempo em que rompia com a verdade passou a viver com liberdade, como resposta ao seu desafio. Conscientemente passou a mentir e a controlar seus atos, como o dono da sua própria vida.

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