terça-feira, março 26, 2019

Banalização da violência

Entre as dezenas de vídeos chocantes, memes, mensagens de bom dia, eis que chega pelo Whatsapp uma gravação de um cara ao telefone pedindo para trocar um sanduíche que foi entregue errado. Diante do pouco caso da atendente para o problema do cara, acabo  me identificando com ele, acho um absurdo o que se passa e de certa forma concordo com a ira do cara. O que se segue me causa espanto e .... risos! A banalidade vira assunto de jornal nacional ... o tal cara vai na lanchonete espancar a atendente que não cumpriu bem o seu papel, o cara, usando de sua disposição de policial resolve surtar e levou a vias de fato transbordando toda a ira que carrega no seu pobre emprego. 

Confesso que errei por rir da situação, mas o riso não foi pelo fato dele bater na mulher, mas as consequências que uma coisa tão banal teve. A circunstância patética que a vida as vezes tem, é que me faz observar o fato com distanciamento. Não se pode rotular o cara de monstro (apesar de que tem que ser punido, ainda com mais rigor por ser treinado a conviver em situações de stress). O fato dele ter perdido a linha é algo que infelizmente é compreensível (de forma alguma justificável!) ... quantas vezes não estouramos por motivos completamente banais, chega a ser patético numa sociedade tragicômica como a nossa onde a violência é banalizada e mortes são apenas números amontoando-se dentro de um estilo de vida raso, inconsequente e egoísta. 

O Estado é responsável direto nessa formação cultural brasileira, aqui negros foram escravizados até a morte e achamos essa vergonha apenas um fato histórico que já passou! Aqui marinheiros eram espancados, adversários ideológicos eram torturados, lavradores expulsos de terras na base do tiro. Revoltas se tornaram extermínio em massa, heróis que fizeram chacina vivem livres por aí ... cidades que carregam no nome as gotas de sangue dos seus antepassados mortos (veja o caso de Florianópolis), aqui jovens entram em escolas atirando nos amigos mas a sociedade americana é que está corroída. Existem as violências brutais que levam as vias de fato, como um homem que espanca uma mulher, existem as violências que se cometem privando uma criança da merenda escolar, ou não punindo exemplarmente aquele que cometeu um ato de violência, são violências morais, mentais ... abusos que vão de contra a nossa Humanidade. 

Se o Estado patrocina nossa violência diária, cada indivíduo se torna frio e indiferente às violências que vê ... tudo é um circo de likes enquanto não muda em si próprio, e não dá para mudar o mundo se não começarmos a mudar a nós mesmos. A impressão é que só não somos piores porque falta poder de fogo! (mas em breve o Estado vai resolver esse problema!). Do garoto bem educado no aconchegante seio familiar e na melhor escola da cidade que se transforma num boçal bruto dentro do Maracanã espancando um idoso, até o pai de família que para o carro para o pedestre atravessar a rua do condomínio de luxo, mas que ao sair dali  vira um monstro no transito. Todos parecem ter um instinto violento dentro de si, alguns controlam ... outros não. Conhecer a si mesmo é uma forma de melhorar sempre e conter essa ira, mas o Homem vem cada vez mais se distanciando do seu interno, tem sido avesso as reflexões, tem terceirizado seus pensamentos a vendedores de fé e de perdão. Coisas banais que resultam em indiferença e riso diante da maior tragédia humana ... a falta da consciência de que somos parte de uma unidade humana e que o opositor é mais semelhante que imaginamos ... é a falta da tal humanidade que acreditamos pertencer.