Um dia desses andando pelo bairro encontrei com um amigo
gaúcho (ele é meio falsificado, mas tudo bem, torcendo pro Grêmio consegue se
enquadrar no estereótipo). Um cara da paz, de pensamento fluido, sangue fervente
nas veias. Enquanto conversava com ele foi
fazendo-se a imagem de outros gaúchos que conheço (gremistas e colorados), todos tão diferentes
do brasileiro do norte, eis que passei o dia refletindo sobre os porquês dessas
diferenças.
Pode ser por influência dos índios brutos que habitavam a
região, pode ser pela colonização tardia, pode ser porque foi o que os portugueses
não quiseram e pelo que os espanhóis não priorizaram, pode ser pelo isolamento
do litoral de difícil navegação, pelo mate, pelo frio, pelo ouro que não
existia, pelas histórias novelescas e míticas criadas pelo “farroupilhismo”.
O sul do Brasil teve um corte geológico, quando da separação
dos continentes que fez com que seu litoral fosse retilíneo desde Laguna em Santa
Catarina até Punta del Este no Uruguai. Um lugar de difícil acesso para a navegação
e atracação foi negativamente decisivo numa época de conquistas marítimas e por
essa razão um lugar deixado de lado pelos portugueses quando assinaram o Tratado
de Tordesilhas. Aí o litoral sul ficou abandonado até descobrirem que o
magnífico Rio da Prata dava acesso a um povo riquíssimo que se cobria de ouro e
prata, para entrar nesse caminho ao ouro era preciso dominar a foz do rio e
para isso os portugueses fundaram Colônia do Sacramento. o caminho até os Incas
acabou sendo feito por Pizarro pelo norte e aí o interesse pela região diminui
mais ainda.
Sem o poder e a força de um Estado europeu, os habitantes
originais foram poupados da influência dos brancos por um bom tempo, a matriz
indígena do sul do Brasil é diferente do resto do Brasil (predominante Tupis,
Tamoios, Tupinambás, Goytacazes e povos amazônicos). Ainda que houvessem alguns
Guaranis oriundos do Paraguai, os Carijós e Charruas eram os que originaram
essas matrizes. Eram índios aguerridos, acostumado com o frio, com guerras e
com uma força cultural que perdura até hoje. Como a ocupação e domesticação dos nativos não
pode ser feita por via marítima, tropeiros de Sorocaba desceram pelo interior
para ocupara uma terra praticamente vazia, esse contato dos cavalos pelos
tropeiros acabou transformando esses índios em cavaleiros-guerreiros, rompendo
de vez com a ideia do bom selvagem, eis o primeiro paradigma quebrado pelo
gaúcho.
Vieram então as Missões jesuíticas, com intuito de criar
reduções do ambiente civilizado e assim domesticar nativos impondo a fé cristã,
não somente a fé portuguesa ou espanhola, mas a ordem vinda direto do Vaticano.
Os índios não domesticados, irreduzíveis, irredutíveis, acabaram sendo
exterminados, mas não sem antes deixar um legado cultural de churrasco de chão,
chimarrão e vestimentas. Os domesticados, trabalharam nas missões para cultivar
entre outras coisas uma planta fibrosa usada para se tecer e criar cordas
nesses pequenos núcleos de civilização, o Cânhamo. A ocupação final se deu
depois da destruição por completa das missões quando portugueses receberam
migrações açorianas e posteriormente no segundo reinado porções de terras
virgens foram dadas a alemães e italianos que vagavam fugindo das guerras de
formação de seus estados independentes, a área escolhida para ocupação foi uma
região pouco ambicionada e sem grandes aberturas para o litoral, as serras
gaúchas. Isso deu mais ingredientes para a diferenciação cultural do gaúcho.
Por fim o fato novelesco que deu alma ao jeito gaúcho de
ser... a revolução farroupilha! Em 20 de setembro de 1835 estancieiros raivosos
contra os altos impostos que a corte regencial cobrava de seu charque
transformaram essa raiva fiscal numa revolução separatista e republicana. Até
aí nada demais ... uma revolta no período
regencial assim como a Sabinada e a Balaiada. O diferencial se deu 100 anos
depois quando um gaudilho toma o poder na revolução de 1930. Foi o gaúcho
Getúlio Vargas que ressurge com a ideia de simbolizar em si a mística do guerreiro
gaúcho, era preciso romper com o elo paulista e mineiro da república do café com leite, levando ao poder algo novo e diferente também do centro tradicional de poder carioca ou das oligarquias nordestinas, o sul precisava surgir no panorama nacional relembrando figuras heroicas como Bento Gonçalves, Anita Garibaldi e Garibaldi, para isso usa
escritores famosos para criar essa memória fantasiosa dando uma aura genuína ao
jeito gaúcho de ser.