terça-feira, março 14, 2023

Cidadãos sem cidadania

Cidadãos sem cidade 

Não tem transporte 

Lhe falta asfalto... 

Não tem bit, não tem byte

As calorias? São vazias! 

A fome ... lhe dá um vazio por dentro 

A cultura é rasa!

No frio ... mal se aquece

No calor ... padece!

Não tem documento

Não tem identidade

Tem um voto 

Mas lhe faltam com a verdade

Sua vida é um tormento

Não tem saúde 

Não tem educação 

Vive sem alento

De escassos planos

É só um sofrimento 

De viver sem sonhos 

Sobrevive

Sub-vive

Desejo se vão

Esperanças afogam em lágrimas

Sem lenço pra secar

A margem de tudo

Dos registros do governo

Da lista de endereços

Nas sombras do sistema

Irreconhecíveis 

Até entre os pagadores de impostos

Transparentes aos bancos

Despreparados aos empregos 

Nem os gatonets lhes querem 

Porque não tem como pagar.

Não tem morada

Não tem CEP e nem CIEP

Não tem Vida 

Não tem nada



segunda-feira, março 13, 2023

O que falta numa favela?

 O Brasil é tão imenso e tão diverso que não consegue se conhecer e as realidades, dos brasileiros que convivem nas praias, ruas, meios de transporte, casas são completamente ignoradas, dentro de um contexto um pouco diferente, mas abrangendo esse ponto também em 1978, os geniais Aldir Blanc e Maurício Tapajós criaram Querellas do Brasil, ou seria Quer Ellas?? Ficou famosa na voz da também genial Elis Regina.

O Brazil não conhece o Brasil 

O Brasil nunca foi ao Brazil

Óbvio que verso traça um paralelo entre classes, dentro de um contexto cultural social mas a verdade é que para muitos, não existe fome, preconceito racial é algo que acabou em 1888, que favelado mora ali porque quere para muitos outros, o povo que vive no asfalto não trabalha, não produz e não estão preocupados com o sofrimento alheio, ganham tudo porque tem dinheiro e não passam dificuldades na vida. Os abismos vão se abrindo e fica mais difícil as realidades se descobrirem. Para uns, o transporte coletivo é no máximo um avião ou um trem na Europa e nem se dão conta das mazelas e benefícios dos nosso próprio transporte porque aqui ... eles não se misturam! Se para muitos, e eu me incluo nessa... pensar nas disparidades e dar uma cesta básica, ou uma roupa velha aqui e ali é a forma de ser solidário, outros ignoram completamente realidades alheias. Quando as pessoas passam a operar por si mesmas, não tendo uma noção de pertencimento a um grupo fica cada vez mais difícil reaproximar diferentes lados ... mesmo que não sejam completamente opostos.

Então para você que nunca pisou numa favela, e não tem noção do que se encontra por lá pode se pensar que falta tudo, dinheiro, água, saneamento, escola, atendimento de saúde, segurança, ordem e organização ... opa! peraí. Em muitos lugares até que se organizam muito bem para vencer as mazelas do dia a dia, nem sempre tem força para ir além das periferias e favelas, mas fazem um bom trabalho. Se você pensa que existe miséria completa, sim existe mas ... pobreza e vida simples não se torna uma miséria quando se tem dignidade e mas se pudéssemos resumir em uma palavra tudo o que falta numa favela, essa palavra seria ... DIGNIDADE. Dignidade para poder exigir, para poder lutar por seus direitos básicos, dignidade para coexistir em igualdade de condições com pessoas menos capazes, dignidade para ser um cidadão de fato, dignidade para comer, estudar, sonhar... morar!

Ter uma casa própria deveria ser uma meta atingível para todo cidadão, muitos nunca vão conseguir isso, outros tantos não vão conseguir nem tentar e outros nunca nem sonharão com isso! Porém toda pessoa tem que morar em algum lugar, para ... viver, chegar do trabalho. Enquanto muitos ainda moram nas ruas, outros até tem uma casinha, nem sempre essa moradia tem condições aceitáveis face a sua precariedade, em outros casos melhores é uma casa para se viver com certa dignidade, mas ... a pessoa não tem, endereço! Pessoas sem CEP são 36,2 milhões no Brasil e isso também é uma forma de não dar a devida dignidade a uma parcela bastante relevante da população.

Uma pessoa sem CEP, não tem acesso a sistemas regulares da saúde, se passar mal não tem acesso a bombeiro, ou ambulância... e o detalhe, muitas vezes essa pessoa paga por isso com os seus impostos incorridos em todo o tipo de serviço e produto, muitas vezes não mora num endereço reconhecido e as empresas de entregas não chegam lá onde ele mora, outras vezes tem que dar endereço de parentes ou amigos ou mesmo pagar taxas extras em associações de moradores para receber entregas de compras de internet, mas não tem provedor forma de internet, ou de luz e esse tipo de situação abre um mercado para milicias que controlam áreas inteiras de uma cidade. 

Uma pessoa sem CEP perde em situações tão corriqueiras onde é preciso dar um comprovante de endereço e isso vai desde conseguir um emprego formal até arrumar um provedor de internet ou ter um plano de celular pós-pago! Nesse último caso um plano pré pago com preços caríssimos é a saída para se conectar ao mundo e hoje em dia quando falamos de alguém prejudicado pela falta de internet, podemos interpretar como exclusão social!

Novas soluções estão sendo criadas para o endereçamento virtual em áreas de risco e excluídas do mapa das cidades, as associações de moradores tem ajudado muito nisso, tecnologias novas de criação de CEP por geolocalização também, criação de um ecossistema logístico operado pelas grandes empresas de comércio virtual, poder público, empresas de tecnologia e com os próprios moradores para fazer entregas nessas áreas, mas tudo isso incorre em custos mais altos para quem muitas vezes não tem condições. No vácuo desse transtorno o crime organizado também começa a operar, ou atrapalhar quem queira atuar de forma honesta nesse mercado crescente, e mais uma vez a dignidades das pessoas cai na lama de um país que não olha pra si mesmo e que não se reconhece quando se vê rico e próspero ou quando se vê miserável com records de lucro e arrecadação do poder público, de bancos e grandes empresas.


domingo, março 12, 2023

O Globo não mostra

 Um amigo acredita que toda pessoa pobre esteja influenciada pelo jornal O Globo do Rio de Janeiro, um jornal classes A e B que ele acha que custa pouco para uma realidade brasileira, pois bem além do custo de um jornal de papel ser completamente impensável numa realidade econômica, uma leitura virtual poderia estar acessível para qualquer um, pois todo mundo tem celular hoje em dia, mesmo não concordando muito com essa realidade de que todos tem um celular, para ler um artigo é preciso geralmente uma assinatura virtual, um valor tão irrisório pra ele, que possivelmente esqueceu que existe, mas aí tem o pacote de dados... algo que para ele também é irrisório, mesmo o Brasil sendo o país com o custo de internet mais caro do mundo (considerando-se equipamentos de acesso, sem considerar isso somos o 71º em 114 países pesquisados). Se um morador pobre de periferia no Brasil, conseguisse romper essa barreira econômica, ainda vem um outro ponto mais básico... ele precisa saber ler! Temos 16 milhões de brasileiros completamente iletrados, e 33 milhões que não conseguiriam compreender mais que 3 ou 4 palavras de um artigo do Globo.

Se a influência fosse em relação a televisão que é um veículo passivo de informação que não preconiza a reflexão imediata, aí eu poderia concordar, se a discussão fosse em relação aos mandos e desmandos das organizações Globo que busca os interesses próprios manipulando e distorcendo fatos há décadas ... tudo bem! Mas seu poder de influência só de um dos jornais da organização sobre só uma parcela da sociedade aí é muito pouco e demonstra um total desconhecimento de uma fração ínfima da nossa sociedade perante a imensa maioria desse país. É o Brazil que não conhece o Brasil!

sábado, março 11, 2023

País partido

Que vivemos num país partido todos já sabem, que nossas divisões socioeconômicas
 são imensas, chegamos a estudar nas escolas sem nunca conseguir ao menos reduzir nossos abismos, também sabemos. Mas atualmente existe uma nuance desse abismo social que tem crescido, a falta de empatia e intolerância de parte a parte tem trazido para a política um vies de pais. 

Campanhas publicitárias, políticas públicas, oportunismos de mercado até tentam aproximar minorias da maioria, como nos casos de negros, mulheres, homossexuais, trans, e toda uma sopa de letrinhas que nos fazem nos perder nas palavras e ações conjuntas para criar um país de todos, isso já virou slogan de governo! Mas algo que ainda não consegue ser rompido é o Gap social entre ricos e pobres. As disparidades são grandes e animosidades crescem a ponto de uns não conhecerem a realidade dos outros. O Brasil não conhece nem o seu padrão de consumo, e se aquela persona que você criou para impulsionar o seu negócio é um branco 35 anos, bem-sucedido, com formação acadêmica, carro na garagem e se matando pra pagar a prestação do apartamento e manter as dívidas controlas esqueça ... Nossa realidade é muito pior! 

Somos cerca de 210 milhões desses, 118 milhões são negros, 108 milhões são mulheres e 165 milhões moram na periferia, então se você ainda não entendeu por que as propagandas estão mudando o seu foco e porque nas novelas existe sempre o núcleo da periferia ... não é lacração, é o Brasil tentando se encontrar depois de um período longo de embriaguez. Se você ainda se assusta com uma passeata gay com 2 milhões de pessoas batendo qualquer comício eleitoral e com ampla divulgação da TV, entenda, são 15 milhões de homossexuais no Brasil e continuamos matando-os por preconceito. Obrigatoriedade de PCDs nas empresas? Imagine deixar 12 milhões de brasileiros a margem do mercado de trabalho, porém a meritocracia impõe que eles atuem melhor que outras pessoas sem problema algum, dentro do padrão não igualitário do Brasil isso é impossível e acaba que o paternalismo artificial acaba por incentivar as empresas a financiar a formação de jovens PCDs. 

Dois terços dos trabalhadores brasileiros conhecem alguém que já sofreu algum tipo de preconceito, discriminação ou humilhação no seu ambiente de trabalho, dentre as maiores causas estão discriminações de raça e orientação sexual, e parte significativa da população ainda acredita que existe muito mimimi por aí, são completamente contrárias às políticas de incentivo e reparação, sejam elas a partir de cotas ou espaços que passaram a ser abertos na mídia. 79% dos brasileiros acham que muitas marcas se aproveitam do combate ao preconceito apesar para fazer propaganda, mas que não tem ações concretas de mudança de realidade. E quando uma população se revolta contra a instituição policial numa favela o termo pejorativo de cambada de favelados bomba nas redes sociais, mas a instituição com maior percepção de discriminação racial no Brasil é a polícia, há de se defender policiais corretos e separar o joio do trigo, porém existe a contrapartida de ver que numa favela não existem só bandidos e que excessos são cometidos de parte a parte, mas a polícia como sendo parte do estado de direito não pode cometer tais excessos, ela deve reprimi-los. 

Se você tiver que repensar sua estratégia de atingir os consumidores no Brasil, entenda que mulheres, negros das classes CDE concentram 80% da intenção de compra do país, se você não atinge essa parte da população você vive para um nicho de mercado e a minoria é você! E preste bem atenção que a concentração não é puramente de consumo, mas de INTENÇÃO de consumo porque nessas classes o dinheiro é contado e é quase impossível consumir de uma forma que não seja por impulso, traçar planejamento financeiro para uma compra mais vultuosa é um esforço em vão pois ao primeiro aperto as economias se vão e essa forma de se consumir também difere o país entre as classes sociais. Classes AB planejam o consumo, praticam consulta de preços, tem acesso a preços e condições melhores de crédito, acessam produtos diferenciados e conseguem de alguma forma praticar um planejamento financeiro, classes CDE não tem acesso a crédito, não sabem o dia de amanhã e consomem o necessário hoje, pagam preços maiores por isso ...e mais abismos se abrem! A verdade é que só 33% da população brasileira tem um "padrão internacional de consumo aceitável" esse índice ainda é baixo e faz com que investimentos no Brasil não sejam viáveis para empresas internacionais e que não consiga alavancar crescimento de empresas nacionais. Daí o esforço para manter uma parcela da população pelo menos perto da margem de consumo optando por políticas públicas de remessa de dinheiro, não é só um assistencialismo barato, é uma forma de impulsionar a economia.
O consumo no Brasil em 2020 foi da ordem de R$4.9 trilhões, nossas disparidades nos levam para R$2 trilhões serem feitos por mulheres, só R$ 1.6 trilhões pela classe CDE, R$2 Trilhões por negros. Podemos dizer que somos um retrato do mundo onde dos US$ 42 trilhões gerados de riqueza entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021, US$26 trilhões (63%) ficou na mão de .... 1% da população! Os US$16 trilhões restantes (37%) ficou para todo o resto do mundo junto. Significa dizer que para cada dólar ganha por uma pessoa dentre as mais pobres do mundo, um bilionário ganhou US$1,7 milhão, as disparidades globais não param por aí ... Elon Musk ... o bambambam do dinheiro, pagou uma taxa de imposto real de 3,27% entre 2014 e 2018, uma vendedora de farinha em Uganda, ganha US$80 por mês mas paga uma taxa de imposto de 40%. Se o imposto taxado para bilionários como o Elon Musk fosse de 5% a economia seria impulsionada em US$ 1,7 trilhão por ano e tiraria da miséria 2 bilhões de pessoas. 

Pesquisa e números : Oxfam, Locomotiva, CUFA, PNAD e IBGE.