segunda-feira, novembro 15, 2021

A mente de um ateu na morte

 Não acreditar em nada ! 

Extremamente difícil, talvez a mente de  um ateu seja muito mais complexa e detenha muito mais auto controle que a de muitos. Isso ocorre simplesmente porque é mais fácil se acreditar em qualquer coisa sem razoar sobre a veracidade das coisas. Simplesmente olhar o Sol e não crer que alguma força maior o colocou ali naquele exato lugar que dista da Terra a ponto de procriar a vida, perceber o tênue equilíbrio de forças monumentais mantém toda a possibilidade de vida. Tempestades solares, atmosfera, gravidade, equilíbrio de astros e átomos isso tudo parece orquestrado por uma força maior mas mesmo assim eles são céticos. 

Olhar o milagre da vida e não crer em algum Deus é muito mais complexo que acreditar em qualquer deus charlatão, porém não crer na vida pode ser mais difícil ao meu entendimento que não crer na morte (ou a vida depois dela). Para tentar entender o que é morte, primeiro é preciso entender o que somos, porque afinal se não soubermos exatamente o que somos, como iremos conceber o que irá morrer? Morre corpo, morre alma, morre espírito, mente, memórias, átomos? O que de fato somos?? 

É certo que o ser humano tem uma tendência a criar verdades e ilusões para atenuar sofrimentos, preservar nosso sistema sensível e consolar nossa mente das verdades dramáticas da vida (só o ser humano tem isso, os outros animais não parecem ter!). Entender que tudo tem um motivo é uma maneira de terceirizar a verdade. Pensar que sempre há algo bom em tudo... um plano maior, é para um ateu um momento de contradição total com a existência de um Deus amoroso. Todos nós queremos esse Deus, que exista um Deus bom, escrevendo certo por linhas tortas e governando a nossa própria vida, que Ele sempre tenha um motivo justo para toda a injustiça do mundo. Será que esse Deus existe exatamente dessa forma? Velhinho, barbudo, caucasiano? E onde fica a auto determinação do Homem? Esse pensamento também não explica a vida e nem a morte, aí entram as religiões, tentando explicar (e nos fazendo crer) todo o mistério da vida (e se pensarmos que a morte também faz parte da vida.... ou do contrário pensar que a vida faz parte da morte, afinal começamos a morrer quando nascemos, como numa ampulheta?). 

O que acontece quando morremos? Quem pode dizer ?  É uma luz que simplesmente se apaga, uma memória dando reset para nova jornada?  O corpo sabe quando vai parar de funcionar ? Ele se desliga abruptamente ou de forma gradual e sensível para libertar o espírito ? Ou não tem espírito na jogada ? Como funciona a máquina humana ? Como querermos crer ou entender Deus se não somos capazes de entender a nós mesmos? A presunção humana as vezes parece maior que o Deus que alguns acreditam. 

A respiração para, os movimentos se tornam inconstantes... em seguida o coração para de bombear sangue, órgãos, tecidos, células vão perdendo sua energia, em poucos minutos tudo para mas em alguma fração de tempo que ninguém sabe ao certo o cérebro vai mandar uma mensagem pelos neurónios que ainda estarão ativos, essa mensagem vem por meio de dimetiltriptamina, um composto psicodélico que inibe todos os receptores de serotonina, a glândula pineal que antes estava tão desconexa da vida pela ação de açúcares e conservantes, faz uma liberação abrupta de DMT, o corpo adormece e em lugar das sensações, sonhamos ... imaginamos ... lembramos tudo como um filme que passa, como uma viagem alucinante que nos faz crer que estamos indo para outro plano (é aquele momento em que a vida passa como um filme!). O tempo já não existe mais, tudo se mistura... o futuro acaba, o passado aparece como uma enxurrada no presente. Em breve ele também não existirá mais. O download cerebral cessa, as luzes se apagam, as cortinas se fecham. Nem dor, nem lembrança, nem consciência, não há alma, não há espírito, o corpo ainda tem atividade vital, mas não nossa ... passamos então ao cumprir o papel de devolver para a vida, toda a parte orgânica que tiramos do cosmos. Bactérias, fungos ... bilhões de organismos agora se alimentam de tecidos mortos. A morte gerando a vida numa eternidade biológica, o propósito da decomposição mórbida gerando vida. Novos processos de vida sendo construídos, relacionamento de cadeias de microrganismos interagindo com o que era um humano há poucos minutos. Aí percebemos que o tempo não para. Novas vidas seguem ... cada átomo foi reciclado, perde-se a individualidade e o corpo estará em bilhões de outros corpos como poeira no espaço. O tempo não existe mais para aquela pessoa mas segue seu percurso, sua energia também se extinguiu, mas e sua matéria ? 

Do pó viemos ... e para o pó voltaremos. Mas isso é tudo ? Num momento tudo é microscópico, no outro somos a imensidão da vida espalhados pelo cosmos. Quando se morre, morrem tantos sentimentos... mas será que todos eles morrem, a memória de um ente querido será que não o mantem vivo nem que seja na memória alheia ? Alma ... acaba, espírito se solta, vão pra onde ? Vagam como energia no espaço, será que continuam ou será que nunca existiram ? Alguém existiu mas como num virar de página .. passou a simplicidade da vida encontra a compreensão de um ateu.

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